domingo, 10 de setembro de 2023

CONTINÊNCIA À VERSEJANDO! 40 ANOS DA POESIA DO MAJOR WILSON PORTO


Por: Carlos Alberto Cavalcanti
Texto escrito em 2021

Três depoimentos sobre o Major: “O ‘Major’ Wilson Pôrto, meu velho, é uma dessas figuras do povo em que, felizmente, as qualidades sobrepujam os defeitos [...] falar do poeta ‘Maior’ Wilson Pôrto, meu velho, é tocar-lhe a vida” (Ivan W. Porto, no prefácio de VERSEJANDO, 1981, p. 3). “Lembro do meu pai [...] tinha espírito de luta [...] possuía conhecimentos invulgares para quem não frequentara curso regular de educação. [...] Era um autodidata em tudo, o ofício de dentista aprendera por si mesmo, vendo o tio Edmundo trabalhando” (Giovanni Porto, em ESTAÇÃO DAS LEMBRANÇAS, 2000, p. 124). William Porto registra em A Casa do Major (BAÚ DE ARCOVERDE, 1986, p. 13) que seu pai “consertava e ajeitava tudo”, referindo-se a dentes ou dentaduras (chapas) dos que iam ao gabinete dentário em sua casa na Antônio Japiassu, 370. “Só tinha um defeito” – assegura - “não sabia cobrar”. Daí – diz William – o livro de fiado era da espessura de uma Bíblia.

A casa do Major, no endereço já citado, era uma espécie de sala de visitas da cidade. Todos tinham acesso, seja para dar um jeito nos cacos de dentes ou alinhar uma chapa para melhor morder o pão de cada dia, seja para uma conversa animada sobre fatos políticos da cidade e do mundo, pois o Major, com seu velho rádio, conseguia ouvir transmissões de emissoras estrangeiras e, não obstante a chiadeira da sintonia, sempre estava a par das notícias mais novas. Na verdade, duas chiadeiras se ouviam na Casa do Major: a do rádio e a da asma de William. Era uma internacional e outra municipal. 

Em Rio Branco e, depois, Arcoverde, a influência positiva do Major para a vida comunitária, com seu jeito tolerante e pacífico de exercer sua liderança, atraiu a ira de setores truculentos e despreparados que, no clima hostil e ditatorial vigente no País dos anos 60 do século XX, chegaram a invadir as dependências de sua casa, traumatizando as crianças com a desproporção da abordagem desrespeitosa, inclusive, para com a Sra. Almira, esposa do Major, a única voz adulta, naquele momento, a defender a família diante daquela situação de terror. 

Tal ocorrência, contudo, não arrefeceu a conduta de um homem de fibra, sertanejo calejado pelas lutas e tatuado pela marca da honradez. Como haveriam de calar a voz, justo de quem sabia lidar com a boca e tinha força, de fato, para arrancar os dentes se fosse preciso... É sobre esse Major, apaixonado pelos ideais que abraçou, capaz de materializar, através da poesia, o lirismo que pulsava em seu coração que registramos essas palavras para lembrar um detalhe talvez pouco divulgado de sua inteligência multifacetada: a veia poética.

Vale ressaltar que, com relação ao soneto: AUTOCRÍTICA (p. 55), onde o poeta se refere “aos pobres versos” e diz que não passa de um “rabiscador” e se diz “mau versejador [...] carente de engenho, inspiração”, há que se entender que talvez queira se referir ao fato de que seja praticamente um autodidata. Mas esse detalhe não embaça a arte introjetada em sua capacidade de leitura de mundo e fundamentada também em leituras de livros. Dois outros pedrenses, só para citar a prata de casa, os poetas Ulisses Diniz e José Firmo Cavalcante, também se encaixam nesse critério do autodidatismo, e igualmente são dois vates de reconhecido valor pelos poemas publicados e aclamados pela crítica acadêmica. 

Assim, o nosso querido e saudoso Major Wilson Pôrto se enquadra nesse crivo de poeta e foi oportuno e necessário que os filhos cuidassem da reunião desse material no livro que, aparentemente magrinho, é avantajado no valor dos 104 versos impressos, dos quais, 87 são sonetos que contêm valor estético e estilístico. Vamos, então, ver alguns títulos inseridos no livro VERSEJANDO que está a merecer uma edição mais arrojada (essa foi, digamos, doméstica).

MINHA TERRA (p. 5) recordação da terra natal: Pedra, cidade onde nasceu o Major Wilson Pôrto e uma terra de bons poetas aqui já referidos: Ulisses Diniz e José Firmo Cavalcante, logo no limiar do século XX. Sobre Arcoverde, habitação seguinte do poeta Wilson Porto, há três sonetos referenciais: ARCOVERDE (p. 6), NATAL EM ARCOVERDE (p. 26) e JAPIASSU (p. 40); a cidade de Pesqueira também é tema em dois sonetos: PESQUEIRA (p. 6) e ÊXTASE (p. 29); e o Brasil aparece em dois sonetos: BRASIL (p. 7) e ACORDA BRASIL (p. 22). 

A maioria dos poemas em decassílabos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, como rezava a prática do soneto tradicionalmente adotada pelos poetas nacionais.

A temática da seca aparece no soneto: 1932 (p. 8), A SECA (p. 8), O SERTÃO E O SERTANEJO (p. 9), FLAGELADOS I e II (p. 10), OS POBRES (p. 11), onde o poeta alcança um tom reflexivo-descritivo que nos reporta aos romances regionalistas que tratam desse tema. Sua habilidade de concisão constrói imagens fortes e tocantes num espaço curto do poema de 14 versos. Pelo menos em dois desses sonetos, o Major Wilson faz uso da aliteração, repetição consonântica na construção vocabular do poema, como ocorre com FLAGELADOS II (p. 11), ao repetir a consoante “F” e OS POBRES (p. 11), ao repetir a consoante “P”. O soneto INVERNO SERTANEJO (p. 12) vem aliviar a temática das misérias trazidas pela seca, pois aqui ele descreve a alegria e os benefícios da chuva para a terra sertaneja.

No tocante à História Geral, o Major Wilson dedicou alguns sonetos, a exemplo de: ECOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA (p. 12), NOVA CHINA (p. 13), PORTUGAL (p. 75), ANO INTERNACIONAL DA MULHER – 1975 (p. 24), texto em que o poeta reitera a iniciativa tomada pelas Nações Unidas de celebrar o Dia Internacional da Mulher. Antes, duas datas já haviam posto em pauta a discussão sobre a mulher na sociedade. Foi em 1911, nos EUA, quando de um grave incêndio em uma fábrica, cujo saldo trágico foi a morte de 125 mulheres; e em 1917, na Rússia, 15 mil mulheres marcharam pelas ruas para expressar o descontentamento com a situação humilhante da mulher na vida comunitária.

Com um perfil biográfico, há um soneto sobre o Papa João XXIII: ANGELO RONCALLI (p. 14), OS ROSEMBERGS (p. 15), JUSTIÇA IANQUE (p. 15). Nesses textos, o poeta levanta sua voz isenta, tanto quando tece elogio ao líder religioso, a quem considera uma “alma lúcida, serena e majestosa”, tanto quando discorda, nos outros dois sonetos, da visão reducionista do poder americano, seja no julgamento dos Rosembergs (eles foram executados sumariamente sob a acusação de vazar informações para a Rússia), seja na execução do Chessman (o Bandido da Luz Vermelha), condenado por uma série de crimes ainda não devidamente esclarecidos.

Os sonetos: UM GÊNIO (p.18), uma referência a Josef Stalin, liderança política da Rússia e TRAIÇÃO (p. 19), dedicado a Luiz Carlos Prestes, trazem a afirmação das preferências políticas do autor que continua a temática com: A POLÍTICA (p. 19) e CAMPANHA POLÍTICA (p. 20), incluindo, em seguida, o tema do desarmamento com os sonetos: OS HOMENS DO PENTÁGONO (p. 16), O PAÍS DA BOMBA (p. 18) e no poema: PERIGO ATÔMICO (p. 17). 

A veia poética do Major Wilson se eleva ainda mais em quatro sonetos antológicos. Em um deles, MAGDÁ (p. 28), o poeta Wilson Porto faz alusão a Magdá, do romance de Aluísio de Azevedo: O HOMEM. A obra foi objeto de crítica quando do seu lançamento, pois há uma abordagem naturalista sobre aspectos da personalidade da protagonista que, para a época, tais aspectos pareciam camuflar um tom de erotismo exacerbado para um romance. O Major consegue, com brevidade e talento literário, sintetizar o episódio em 14 versos. Os outros três destacam-se pelo tom satírico do texto.

Em dois deles [ELE DISSE (p. 24)] e [ELA MAGOADA REPLICOU (p. 25)] o poeta simula uma peleja entre um suposto casal, onde o eu lírico masculino destrata o elemento feminino a quem se refere e, em seguida, o eu lírico feminino responde cabalmente ao dito interlocutor machista. Um artifício que lembra aqueles desaforos do Boca do Inferno, o poeta Gregório de Matos, quando, com ironia e humor, deitava e rolava suas críticas no cenário barroco nacional.

Há ainda outro soneto: A VINGANÇA DO CURA (p. 25) em que o poeta explora sua veia humorística ao narrar um episódio envolvendo um pároco num breve incidente em viagem. Com muita habilidade verbal, o poeta faz que o padre, ao se refazer do susto do incidente, se dirija ao condutor do coletivo com o uso popular de FDP...

Como não poderia deixar de ser, o lado sentimental do poeta para com a família que formou, amou e defendeu até os últimos dias, há textos que merecem uma leitura também sentimental, posto que reminiscências pessoais são confidenciadas abertamente ao leitor: SONETO (ao pai e à mãe) (p. 39, 40); MEU PRIMEIRO VERSO (p. 5) e RESIGNAÇÃO (41) dedicados a Lena (esposa), CONSELHO AOS FILHOS (p. 38), Poema para Lena (filha) (p. 45).

Aí está, sobretudo para os leitores da atualidade, um registro da trajetória extraordinária de um conterrâneo pedrense, cujo legado de valor humanístico e literário vem enriquecer as páginas de qualquer registro histórico-biográfico que se queira construir para compor a lista de obras regionais de valor inestimável para a vida literária do Brasil.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

ARCOVERDE: A CALÇADA FICA DESCALÇA SEM SEU "NATAL"


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

OS SAPATEIROS

Os sapateiros da Av. Japiassu se arranjam nas calçadas em seus ateliês à espera de clientes. Uns chegam trazendo sapatos bem rodados na vida dura de quem anda sempre a pé; já carregaram exaustivamente seus donos rua afora, querem um novo solado. 

Os sapateiros têm seus truques para restaurar velhos sapatos que já deixaram muitos rastros pelas ruas da cidade e, agora, gastos, pedem clemência. 

Os sapatos são recebidos no ateliê escolhido e, após um rápido exame, logo é indicado ao cliente que tipo de tratamento os sapatos vão receber: a uns, uma nova sola seguida de uma sova de marteladas pontuais; a outros, uma sessão de acupuntura com pregos. 

Os sapateiros são saparteiros, fazem o parto de sapatos grávidos de tempo de uso; ou talvez sejam fisioterapeutas, recuperam sapatos lesionados pelos vícios de postura dos donos. 

Às vezes, ocorre uma troca involuntária na devolução e aí os sapatos vão parar em outros pés. Isso só não ocorre com os sapatos de políticos, pois todos calçam 40...

Há aqueles que são deixados de lado, excluídos da convivência com os pés que tanto ajudaram a andar; (quem sabe, os calos sejam uma vingança)! 

Os sapatos querem voltar, novos, à rotina de transportar o seu dono pelas trilhas das calçadas do centro ou dos bairros; os sapatos ficam felizes por saírem daquele cativeiro e agora, livres, vão andar na fila dos bancos, vão desfilar nas festas públicas ou em lugares menos públicos (da difícil vida fácil).

Não importa o trajeto, qualquer um é melhor do que ficar parado nas mãos do sapateiro. Sapatos gostam de andar. Inda mais quando o ateliê fica na calçada de uma Sapataria onde os sapatos novos, na vitrine, debocham dos seus sósias na calçada. Até entre os sapatos há classes sociais: uns são CHIC, outros nem tanto...

Este texto faz parte do livro/artigo RECORTES (EM PROSA E VERSO) DA HISTÓRIA DE ARCOVERDE, publicado em 2018 pelo professor, poeta e escritor Carlos Alberto de Assis Cavalcanti. 

*Postagem publicada no Blog Choque Cultural Buíque, no dia 06 de junho de 2020.

40 ANOS DE: MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) CRONOLOGIA E OUTRAS NOTAS, LIVRO DO ESCRITOR LUÍS WILSON

 


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

No espaço de tempo que se dá entre a primeira edição de Minha Cidade, Minha Saudade (1972) e a segunda edição (1983), o escritor-historiador Luís Wilson de Sá Ferraz publicou, em 1982, portanto, há 40 anos: MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) CRONOLOGIA E OUTRAS NOTAS, na mesma linha de pesquisa historiográfica e com a mesma competência de arrolamento de dados, documentação e acervo fotográfico. 

A obra reúne, como já anuncia o título, a soma documental e sentimental com que o autor se debruça numa pesquisa que o coloca diante de uma tarefa intelectual de pesquisador e concomitantemente de alguém cujas raízes já se adentrara não só na História de Arcoverde, mas igualmente na vida de Arcoverde, haja vista ter também a sua vida plantada na Terra do cardeal, quando aqui chegou nos idos de 1920.

O prefácio vem assinado pelo professor Joel de Holanda e, nas orelhas da obra, o professor Inocêncio Lima tece um comentário que, sem dúvida, pode ser chamado de um segundo prefácio, posto que se alarga em conteúdo e reconhecimento sobre a escrita de Luís Wilson tanto quanto se faz no espaço indicado para o prefácio. Ao fazê-lo no recorte mais restrito das chamadas orelhas, o professor Inocêncio, de posse de sua qualidade reflexiva e habilidade de expressão, com certeza duplicou o prefácio ou alongou as orelhas, o que, nas duas situações, contribuiu para o registro opinativo de valor sobre o trabalho do historiador arcoverdense, o filho de Noé do Bar, doutor Luís Wilson. 

A obra sobre a qual destacamos os 40 anos de publicação é como se, desentranhada de Minha Cidade, Minha Saudade, o autor reunisse de maneira epistolar, afetuosa e historiográfica, suas impressões fundamentadas na farta documentação a que teve acesso bem como ao acervo iconográfico que se acrescenta e atualiza ainda mais o relato que se torna mais detalhado e mais arcoverdense.

Do acervo de obras elaboradas por Luís Wilson com esse sentido de registro histórico, com certeza esse exemplar tem mais de sua alma arcoverdense além do trabalho de exímio catador de informes e revelações orais e escritas que se transformam em dados de alto teor documental como se vê nessa obra. Pernambuco se orgulha de um Gilberto Freire, de um Josué de Castro, na Sociologia; contudo, há que incluir no rol desse elenco brilhante de homens dotados de uma genialidade para coletar e sistematizar dados históricos intermeados por um sentimento telúrico, o nome desse sertanejo que leu o Estado, mais detidamente o sertão, e com mais prazer e amor, Arcoverde, que é o Dr. Luís Wilson. 

Basta que se consulte prefácios, comentários de fortuna crítica sobre suas obras para se convencer da notabilidade do autor, se bem que, em pessoa, sua simplicidade o fizesse avesso às maquiagens da vaidade. Vejamos breves citações colhidas da apreciação dos amigos e intelectuais que opinaram sobre a escrita de Luís Wilson.

A começar pelo prefácio de Joel de Holanda Cordeiro: “[...] Cada página do livro tem para mim o sabor de reencontro [...] a cidade se deu toda à criança e ao adolescente que povoou suas ruas com sonhos e fantasias emocionados” (CORDEIRO, p. 23) (1). Em seguida, o professor Joel de Holanda elenca nomes de localidades a que ele chama de “territórios conhecidos”: Aldeia Velha, Riacho do Mel, Serra das Varas, Caraíbas, Ipojuca entre outras localidades familiares da área geográfica do município. Mais adiante, Joel afirma que: 

“Rebuscando o passado, analisando eventos e datas [...] Luís Wilson surge aos olhos dos estudiosos como o portador da mais vasta e significativa contribuição ao conhecimento documental do agreste e do sertão de Pernambuco” (CORDEIRO, 1982 apud WILSON, 1982, p. 24) (2).

Ao dizer, por fim, que “O livro é um achado”, Joel reafirma a admiração que tem pelo autor que, movido por uma capacidade de investigação aguçada, faz que voltem a vibrar os acontecimentos já vividos como se, por um processo de abdução memorialista, todos de agora mergulhassem nas águas caudalosas das saudades.

Ao referir-se ao conjunto das publicações de Luís Wilson, o professor Inocêncio Lima abre o seu texto nas orelhas afirmando que a obra que ora completa 40 anos de sua publicação representa: “a continuidade de um persistente esforço de reconstruir a memória de sua/nossa sorridente e alegre cidade” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (3).

Reconhece Inocêncio que “em toda sua obra e sob todas as formas a revelação cônscia de sua grande obstinação: deixar para Arcoverde o valioso patrimônio de sua fonte histórica mais completa, mais objetiva e mais válida” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (4). Com isso, o professor Inocêncio assegura que “haverão todos e a seu tempo de reconhecê-lo como o HISTORIADOR DE ARCOVERDE” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (5). Inocêncio afirma ser esse título emérito perfeitamente correspondente às qualificações do autor que, de forma “beneditina” – afirma professor Inocêncio – ainda assim não define por completo a grandeza do homem Luís Wilson e da obra por ele escrita.

Na parte final da orelha, o professor Inocêncio elenca do sumário aspectos pontuais que demonstram a dinâmica estrutural do desenvolvimento de Rio Branco-Arcoverde, e cita dados concretos: Entre a primeira metade do século XIX e início do século XX, a “vocação comercial” consolidada com a “primeira feira de gado”; outro dado a destacar é que também na primeira metade do século XIX, a primeira escola e nos anos 20, do século XX, “possuía sua Liga Contra o Analfabetismo” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (6)

E assim vai o professor pinçando pontos na linha de tempo da história municipal, reiterando a certeza de que as gerações atuais muito devem ao altruísmo, trabalho e abnegação de tantos que deveriam estar na ordem do dia das aulas de hoje, tendo em vista estimular aspirações efetivas de cidadania no alunado tão refém de tecnologia e tão ausente de um espírito de admiração pelos que se deram intensamente no labor e na construção do que, para eles, era o futuro e que, agora, é o nosso presente.

Por fim, das orelhas da primeira edição de MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, lemos: “Sim, este livro é para ser lido com o coração” (LINS, 1973 apud WILSON, 1983) (7). Trata-se de uma frase do jornalista Alberto Frederico Lins que consta numa matéria intitulada: Um Romance de Saudade (Jornal do Commercio, 11-04-1973) sobre o livro acima citado (de Luís Wilson).  Na mesma orelha, lê-se: “recordando o Arcoverde das jovens e inquietas esperanças, revivi uma das melhores épocas da minha existência [...] na retroterra [...] do Sertão dos heroísmos desconhecidos, telúrico e desafiador” (PARAHYM, 1973 apud WILSON, 1973) (8), a propósito de uma matéria do Dr. Orlando Parahym publicada no Diário de Pernambuco em 24-04-1973, com o título: História de Arcoverde. Do professor João Vasconcelos: “História, biografia, romance, o livro de Luís Wilson ilustra pelo que oferece de conhecimentos sobre fatos e coisas, e recreia pela maneira leve e gostosa em que está escrito” (VASCONCELOS SOBRINHO, 1973 apud WILSON, 1983) (9).

Confirma-se, portanto, a riqueza textual e a organização laboriosa dos dados coletados pelo historiador Luís Wilson em cada depoimento como se fosse produto de uma combinação prévia entre os comentaristas quando, na verdade, é a indissolúvel uniformidade das impressões causadas pela qualidade da produção publicada seja em MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, no que aqui acabamos de registrar nossa solidariedade ao aniversário dos 40 anos de publicação ou nas demais obras do autor. Tomara que, em breve, essas edições sejam republicadas pela CEPE para que, em tempo, os jovens da atualidade se debrucem em sua leitura agradável e informativa.

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1. CORDEIRO, Joel de Holanda. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

2. Idem. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

3. LIMA, Antônio Inocêncio. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

4. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

5. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

6. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

7. LINS, Alberto Frederico. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

8. PARAHYM, Orlando. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

9. VASCONCELOS SOBRINHO, João. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.


REFERÊNCIAS:

CORDEIRO, Joel de Holanda. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

LIMA, Antônio Inocêncio. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

LINS, Alberto Frederico. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

PARAHYM, Orlando. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

VASCONCELOS SOBRINHO, João. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.


50 ANOS DE: MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, LIVRO DO ESCRITOR LUÍS WILSON


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE – LUÍS WILSON. Meio século se registra sobre a publicação da primeira edição de um livro extraordinário, encantatório e repleto de dados históricos, sentimentais sobre a formação de ARCOVERDE e cercanias e a consolidação político-social que, palmo a palmo, o trabalho de tantas famílias promoveu ao longo dos anos. Era prefeito, naquela ocasião (1972), o professor Giovani Porto, detentor de uma vasta cultura e, coincidentemente, também detentor de conhecimentos históricos que o tornavam um admirável professor e orador.

Segundo (SALVIANO FILHO, 2020)1, LUÍS WILSON DE SÁ FERRAZ, nascido em 1917, na Vila Bela que hoje é Serra Talhada, veio, em 1920, com os pais, para Rio Branco, integrando-se, desse modo, à comunidade que daí em diante passou a ser o seu berço, a sua terra. O pai, Seu Noé do Bar, passou a ser uma figura das mais queridas na configuração social da cidade em desenvolvimento, seja pelo seu tino empreendedor e mais ainda pelo seu jeito folclórico, engraçado, filosófico de encarar a vida. Suas “tiradas” são frases ou provérbios que logo ganharam as paredes do seu próprio bar, cenário de sua vida cotidiana, e a boca do povo que as reproduzem ainda hoje.

A vida escolar de Luis Wilson tem passagem por Pesqueira, Garanhuns até chegar ao Recife, onde, em 1940, tornou-se médico. Daí em diante, clinicou, fez amizades, criou, junto a amigos, o Centro de Estudos de História Municipal da Fundação de Desenvolvimento dos Municípios do Interior de Pernambuco, integrou a SOBRAMES- Recife e outras entidades literárias e, naturalmente, escreveu muito, deu uma contribuição extraordinária para a divulgação de fatos sobre a história de Pernambuco, sobretudo desses municípios sobre os quais escreveu com farta referência documental, o que torna os seus livros uma fonte de consulta permanente para leitores comuns e leitores acadêmicos que tenham em vista algum trabalho de pesquisa nessa linha historiográfica.

Das obras que Luís Wilson publicou, com certeza, sobretudo para Arcoverde, MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, que ora completa meio século de sua primeira edição, se constitui num livro vivo, uma coletânea de fatos documentais, sobretudo de fatos sentimentais, haja vista que Arcoverde foi, para o autor, não só o objeto de pesquisa, mas também a sua cidade de infância, juventude e maturidade. Laços indeléveis de aspectos memorialistas se somam ao pulso firme do pesquisador-historiador e dão um sabor presencial às 511 páginas de registros minuciosos enriquecidos por farta ilustração fotográfica que foi, inclusive, segundo seu depoimento, o ponto de partida para a obra quando – diz Luís Wilson na introdução da edição de 1972 – que também consta na segunda edição publicada em 1983:

Há cerca de um ano, jantando com Luís Cristóvão dos Santos, caí na tolice de lhe mostrar 10 ou 15 álbuns de velhas fotografias de Rio Branco (Arcoverde), que eu possuo, grande parte das quais recebi de presente do Dr. Luís Coelho. Escrevera, então, embaixo de cada foto, o que me dava na cabeça. [...] Luís Cristóvão - diante dessas legendas em cerca de 200 a 300 fotografias – me convenceu a acabar com os meus álbuns e escrever mais sobre Rio Branco (WILSON, 1972, p. 33-4)2.

A propósito, foi Luís Cristóvão dos Santos (escritor pesqueirense e integrante da Academia Pernambucana de Letras) quem prefaciou a primeira edição de MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE. Na verdade, mais que um prefácio, Cristóvão profere uma conferência histórica, com detalhes e beleza de cronista-sociólogo, sobre a História que une, no tempo e no espaço, Pesqueira e Arcoverde, em cujo relato já aparece o seu amigo de estudos e futuro escritor Luís Wilson.

Lê-se em dado trecho desse discurso historiográfico que escreve o jornalista pesqueirense no prefácio antológico sobre Luís Wilson ainda menino: “[...] foi ali no meio dos companheiros dos bancos escolares que eu o conheci [...] sujeitinho baixo [...] vivo como uma carrapeta [...] chegado do Antigo Rio Branco” (SANTOS, 1972 apud WILSON, 1972, p. 25)3.

Os meninos crescem. Cristóvão e Wilson seguem para Recife. Se reencontram, já adultos, cada um com suas tarefas profissionais definidas. Um abraça o Direito e o outro a Medicina. É quando se dá o encontro acima citado, e o filho de Noé acolhe a ideia do amigo de Pesqueira e passa a pescar tudo quanto é fotografia e recortes de revistas, jornais, além de ouvir seguidos relatos de pessoas da comunidade sobre a formação histórico-social desde o Olho d’Água dos Bredos a Rio Branco e depois Arcoverde. 

Em verdade – diz Cristóvão – o médico Luís Wilson aproveitou os seus conhecimentos de oftalmologista e pôs nos olhos lentes poderosas para com elas melhor devassar a distância dos primórdios da história de Arcoverde, alongados no tempo por mais de século (SANTOS, 1972 apud WILSON, 1972, p. 31)4.

Assim, ao longo de 21 capítulos a obra reúne o produto da dedicação de pesquisador e do afeto de Luís Wilson por Arcoverde. Cada capítulo apresenta, no índice, subtópicos que já antecipam sobre o que aguarda o leitor no decorrer da leitura.

Vale dizer que uma segunda edição da obra foi publicada em 1983, acrescida de algumas correções necessárias sobre nomes e datas e também de mais textos e fotos. Vem prefaciada pelo então prefeito Ruy de Barros Correia Filho, também médico, homem de muita cultura, cujas palavras reiteram a favor do autor da obra a mesma compreensão que outros nomes da área literária já haviam dito, e o Dr. Ruy, com humildade, reconhece. Contudo, vale registrar um trecho do prefácio do Dr. Ruy de Barros ao afirmar, tocado pela sensibilidade que lhe era peculiar em relação ao amor pela cidade de Arcoverde:

Nós, os arcoverdenses, só podemos dizer que sentimos um orgulho imenso da amizade de Luís Wilson [...] que se reveste de nuances tão características e tão próprias que ainda precisa ter uma resposta especialíssima do povo de Arcoverde. [...] Tenho certeza absoluta de que não há nenhum exagero de minha parte em dizer: o Dr. Luís Wilson de Sá Ferraz conseguiu dar uma nova identidade a Arcoverde. [...] Hoje, é tão importante saber quem é Arcoverde como orgulhar-se de quem foi Arcoverde (CORREIA FILHO, 1983 apud WILSON, 1983, p. 28)5.

Ao fim dessas considerações a título de homenagem a uma obra que está a merecer uma terceira edição, pois as duas aqui citadas são hoje em dia muito raras, disponíveis para venda em sebos através da busca na Internet, e algumas catalogadas nas bibliotecas públicas da cidade, são guardadas com muito cuidado, a fim de preservar a condição física da obra, sendo permitida a consulta apenas no recinto da biblioteca.

Portanto, uma terceira edição, num acordo entre a Prefeitura e o Governo do Estado, que detém a direção da CEPE (Companhia Editora de Pernambuco) em muito resgataria essa memória viva para as gerações atuais bem como, de fato, cumpriria o reconhecimento a quem, com desprendimento, competência, carinho e muita arte, se deu inteiramente ao labor de fazer o registro, no cartório da História, sobre a cidade de Arcoverde, para onde veio na infância e aqui fincou suas raízes e se projetou para o mundo, posto que ao produzir uma vasta obra de caráter eminentemente historiográfica e memorialista, haverá de sempre ter o olhar de novos leitores debruçados sobre as minúcias da construção social, cultural que resultou na Arcoverde por ele sempre amada.

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1 SALVIANO FILHO, Pedro. O Historiador Luís Wilson. Jornal de Arcoverde (mai/jun 2014). Disponível em https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/o-historiador-luis-wilson.html Acesso em 14 nov. 2022.

2 WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

3 SANTOS, Luís Cristóvão dos. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

4 Idem. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

5 CORREIA FILHO. Ruy de Barros. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

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REFERÊNCIAS:

CORREIA FILHO. Ruy de Barros. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

SALVIANO FILHO, Pedro. O Historiador Luís Wilson. Jornal de Arcoverde (mai/jun 2014). In: Disponível em https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/o- historiador-luis-wilson.html Acesso em 14 nov. 2022.

SANTOS, Luís Cristóvão dos. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

____. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

terça-feira, 5 de julho de 2022

35 anos do Livro BAÚ DE ARCOVERDE de WILLIAM PÔRTO


Por: Carlos Alberto Cavalcanti*
Texto escrito em 2021

Arcoverde é uma cidade bem dotada de memorialistas. Há uma boa bibliografia na qual seus autores enfocam – em prosa ou verso – suas reminiscências sobre pessoas e fatos que representam um mergulho no rio caudaloso da saudade de Olho D’Água dos Bredos, Rio Branco e, agora, Arcoverde.

Estação das Lembranças de GIOVANNI PORTO (21 anos de um LIVRO DE MEMÓRIAS)


Por: Carlos Alberto Cavalcanti*
Texto escrito em 2021

A obra veio a público em 2000. Autor: Giovanni Porto. Mais de 30 textos memoriais construídos com a qualidade estética e metódica de quem conhece a História e dela foi um protagonista de peso, seja no exercício do seu ensino nas escolas da cidade, seja quando fez História no exercício do mandato de prefeito arcoverdense, tendo deixado, nas duas atividades, um legado de inestimável valor para o município.

Recortes (em PROSA e VERSO) da HISTÓRIA DE ARCOVERDE

Carlos Alberto Cavalcanti, por Leonardo Silva

Por: Carlos Alberto Cavalcanti

ANO 2018

A memória é um dos alicerces que dá sentido à vida. Com uma cidade não é diferente. Preservar a memória da sociedade e sua vivência no núcleo urbano é manter a cidade viva e uma forma de fortalecer sua identidade. Na Geografia Crítica Milton Santos já advertia para a importância do Lugar como ponto de partida para se conhecer e entender a sociedade. Lugar: é uma categoria muito utilizada por aqueles pensadores que preferem construir uma concepção compreensiva da Geografia. Grosso modo, o lugar pode ser definido como o espaço percebido, ou seja, uma determinada área ou ponto do espaço da forma como são entendidos pela razão humana. Seu conceito também se liga ao espaço afetivo, aquele local em que uma determinada pessoa possui certa familiaridade ou intimidade, como uma rua, uma praça ou a própria casa. É o lugar que identifica nossas raízes, por isso essa identidade é quem nos faz sentir a saudade quando dela nos afastamos.