quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Arcoverde celebra 96 anos de emancipação política: um marco de desenvolvimento e cultura no Sertão de Pernambuco


Por: Leonardo Silva

No próximo dia 11 de setembro de 2024, Arcoverde, carinhosamente conhecida como a "porta do Sertão", completa 96 anos de emancipação política. Fundada em 1928, a cidade é um dos polos mais importantes da região, sendo reconhecida por sua riqueza cultural, econômica e histórica, além de sua localização estratégica que a torna um ponto de encontro entre o Sertão e o Agreste pernambucano.

Ao longo dessas nove décadas, Arcoverde se consolidou como um exemplo de desenvolvimento, com uma população vibrante, diversificada e empreendedora. Para celebrar este aniversário, é importante lembrar algumas das personalidades que fizeram parte da história deste importe município.

Cardeal Arcoverde

Uma das figuras mais proeminentes relacionadas ao município é o Cardeal Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, primeiro cardeal da América Latina, que inspirou o nome da cidade em 1943, antes chamada de Rio Branco. Seu papel na Igreja Católica foi relevante tanto no Brasil quanto internacionalmente, e seu nome é lembrado com orgulho por todos os arcoverdenses.

Lula Calixto

Na esfera cultural, Lula Calixto é uma personalidade inegável. O artista e idealizador do grupo Samba de Coco Raízes de Arcoverde foi um dos grandes responsáveis por manter vivas as tradições culturais do município. Seu trabalho preserva e difunde a cultura popular, especialmente o Samba de Coco, que se tornou um símbolo não só de Arcoverde, mas também de Pernambuco.

Atualmente, Arcoverde é um município vibrante e diversificado. Sua economia se baseia no comércio, serviços e agricultura, com destaque para as festividades e o setor turístico. Eventos como o São João de Arcoverde atraem milhares de visitantes todos os anos, consolidando a cidade como um dos polos culturais do estado. A cidade também é famosa por ser um reduto de manifestações artísticas e culturais. O Samba de Coco e os festejos populares.

Arcoverde celebra seu aniversário com orgulho de sua história e confiança em seu futuro, mantendo viva a memória daqueles que ajudaram a construí-la e abrindo portas para as novas gerações que levarão adiante o legado dessa cidade tão singular no Sertão de Pernambuco.

Parabéns, Arcoverde, pelos seus 96 anos de história e conquistas! 

sábado, 7 de setembro de 2024

JORNAL DE ARCOVERDE: QUAL FOI O BERÇO DE ARCOVERDE?


JORNAL DE ARCOVERDE
MARÇO/ABRIL DE 2011
Nº 260 / PÁG. 3
*PEDRO SALVIANO FILHO
Em janeiro deste ano tivemos um novo encontro de confraternização entre os inseparáveis amigos de infância de Arcoverde: eu, o José Carlos e o Antônio Estanislau. No tempo da Faculdade, em Recife, pensamos em fazer isso todo ano, mas nem sempre deu certo. Os primeiros encontros foram feitos no “Magestic Grande Hotel”, do Sr. Sobreira, da nossa querida cidade. Desta vez nos reunimos durante três dias, no Rio de Janeiro.

Entre tantos assuntos que pusemos em dia, eles tiveram a paciência de escutar algumas revelações que faço na minha pesquisa genealógica, inclusive com o auxílio de livros que tenho obtido em sebos eletrônicos.

Em nossas conversas relembramos nossa infância e fatos que ajudam a compreender a história do nascimento de Arcoverde e que achei interessante dividir com os leitores.

Eu nasci na Praça da Bandeira, 33, e depois morei na Praça Barão do Rio Branco (continuação da av. Cel. Antônio Japiassu). O  Antonio Estanislau de Souza Queiróz, nasceu na Rua da Linha (Rua Zeferino Galvão, paralela à Av. Cel. A. Japiassu) e é filho do Sr. Luiz Gonzaga Queiróz, que foi vereador por 16 anos e mora em Arcoverde.  O José Carlos de Lira Fernandes é filho do Sr. Zezé, José Fernandes Filho e foi morador da Rua Leonardo Couto por muitos anos.

E onde nasceu Arcoverde? Em que ruas moraram os primeiros habitantes? E se hoje pudéssemos ver tudo como num filme? Foram essas perguntas que atiçaram nossas discussões. Não tivemos dúvidas sobre isso, pois sabíamos que tudo aconteceu a partir da Rua Leonardo Couto, a rua aonde íamos sempre visitar o Zé Carlos. Faltava apenas encaixar alguns dados dispersos e desconhecidos, pois, quando nascemos, Arcoverde já era uma próspera cidade, mas até 1910 ou 1912 só existia essa mencionada rua na, então, vila Olho d´Água dos Bredos.

Como disse o Luís Wilson no livro MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE: “A Rua Leonardo Couto (ou Rua Velha) é a “mãe” de Arcoverde (Rio Branco). O “pai” é o olho d´água da rua Velha, o Riacho do Mel.” Além disso, só existiam algumas poucas casas, registrou ele.

E quem foi Leonardo Pacheco Couto que virou nome de rua? Além de ter sido um dos fundadores da cidade, ele foi o avô do Cardeal Arcoverde, pois Leonardo era pai de Dona Marcolina Dorothéia Pacheco do Couto, esposa de Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti, o capitão Budá, pais do Cardeal. Uma pequena compilação de escritos muito esclarecedores, do referido autor, sobre a família Leonardo Pacheco Couto e assuntos correlatos, está no link https://cutt.ly/GyZ61Jc

Porém, o Luís Wilson em seu livro MUNICÍPIO DE ARCOVERDE, diz que no Livro das Sessões da Câmara de Cimbres, é que se encontram, para o ano de 1812, as primeiras referências à povoação de Olho d´Água (depois “Olho d´Água dos Bredos”) e, em 1849, há a citação da construção de uma estrada fazendo a ligação com a povoação da vila de Pesqueira. Foi a partir dessa época que o caminho das boiadas (Roteiro do Ipojuca) começou a passar ali. “Ainda em 1925 e até alguns anos mais tarde, era pelo meio da “Rua Grande” ou “Rua do Comércio”, em Rio Branco, que passavam as boiadas que vinham do sertão para Caruaru e o Recife”. A tal Rua Grande, paralela à Rua Velha, virou Av. João Pessoa (1933), depois Cleto Campelo, que depois homenageou o nosso primeiro prefeito, eleito, o Coronel Antônio Japiassu.


Esta foto é de 1932 e mostra a Rua Cleto Campelo (depois Avenida Cel. Antônio Japyassu) que começava no "Beco da Coruja". A casa do Coronel é a primeira à esquerda. Lá embaixo aparece a Rua do Grito que o Dr. Luís Coelho começou a derrubar (entre 1932 e 1933). (Fonte: Roteiro de velhos e grandes sertanejos, vol. 6 – Luís Wilson).

Meu bisavô, Salviano Bezerra Leite de Melo, deve ter chegado à Conceição da Pedra (hoje Pedra) no segundo quartel do século 19, fugindo de uma seca e tocando o seu gadinho desde Cajazeira “do Rio de Peixe”, na Paraíba. Na Pedra, casando com Joaquina Francisca de Sá, tiveram os filhos Maria da Conceição Vieira de Melo – “Sinhara”  (1855), Manoel Salviano Leite de Melo – “Né”, Joaquim Salviano de Albuquerque – “Quinca” (1859-1919) e Francisco Salviano de Melo Lanta – meu avô “Lanta”(1860-1948), nome acrescido, por ele, no final daquele século 19.  Quitéria de Holanda Cavalcanti “Quiterinha” (1869-1952) é outra filha que meu bisavô teve (não detectei ainda o nome da mãe), após a morte da Joaquina. Soube, por informações deixadas por uma tia, que o bisavô Salviano foi sepultado em Umbuzeiro-PB, mas não consegui mais nenhum dado documental a este respeito.

Mas agora me prendo ao Joaquim, para mostrar o entrelaçamento de duas famílias que hoje representam uma frondosa árvore genealógica - enraizada na Pedra, que, mais uma vez, tem os descendentes espalhados em muitos lugares.  Em junho de 1898 Joaquim Salviano se casa (primeiro matrimônio dele) com Maria Rosa de Albuquerque (1854-1908), viúva de Arnau de Holanda Cavalcanti (1850) que já tinha muitos descendentes. Tudo isto está desvendado no site www.lanta.myheritage.com.


Outra sugestão de leitura é o livro “Conceição da Pedra. Um retrato em preto e branco da aristocracia rural do sertão pernambucano” (Recife-PE, 2005) onde meu primo Ricardo Japiassu Simões mostra interessante abordagem sobre as famílias.  Na foto acima presente no livro estão o Capitão Augusto Japiassu, ao centro Joaquim Salviano e à direita o Cel. Antônio Japiassu.

Agora pulo para outro galho da árvore genealógica para mostrar a chegada dos Japiassu à Pedra, em 1906.

Nesta altura é esclarecedor citar que muitos apelidos eram oficializados como nomes em documentos. É o caso de Japiassu que foi acrescentado a Mariano da Costa Araújo, criando um novo tronco familiar. Também lembro que o meu bisavô adotou o seu nome Salviano, como nome de família, para criar um novo tronco. Coisa daquela época...

Os leitores que desejarem se aprofundar sobre os Japiassu da Pedra podem consultar outra interessante e esclarecedora compilação feita em livros do Luís Wilson, no link https://bit.ly/36TRGKc

Entre os filhos do Coronel Mariano da Costa Araújo Japiassu estão a “Dona Babu”, Bárbara Augusta Japiassu, nascida em 1881, que se casa em 1908 com o viúvo, meu tio-avô, Joaquim Salviano de Albuquerque (em segundas núpcias dele), indo morar no sítio Ribeirinha. Conforme os dados da minha pesquisa, transcrevo aquele acontecimento: “Cartório de Registro Civil da Pedra. Certidão de Casamento N. 243, de 23 de setembro de 1908. No sítio Prateado, de Francisco Patriota, município da Pedra, em casa de residência do Coronel Mariano da Costa Araújo Japiassu, às 2 horas da tarde, com presença do juiz deste primeiro Distrito Manoel Tenório da Cunha Cavalcanti, comigo, oficial do registro civil e as testemunhas, Octaviano Octavio Japiassu e Augusto de Araújo Japiassu, recebem em matrimônio Joaquim Salviano de Albuquerque, com 45 anos de idade, filho de Salviano Bezerra Leite e Joaquina Francisca de Sá, natural deste município e residente no mesmo, e Bárbara Augusta Japiassu, solteira com 27 anos de idade, filha legítima do Coronel Mariano da Costa Araújo Japiassu e Izabel Tenório de Araújo, natural de Leopoldina deste estado e residente neste Município. Também assinam Octaviano Octavio Japiassu, com 36 anos de idade, comerciante residente na Vila da Pedra, e Augusto de Araújo Japiassu com 35 anos, criador residente na Vila da Pedra. Neumeriano Gomes de Sá Novaes, oficial efetivo”.

Entre os vários filhos deles, está Izabel Japiassu Salviano – “Biluca”, que nasceu em 1910 e que em dezembro de 1926 se casa com seu primo em primeiro grau, meu tio “Dão” – João Campelo Salviano (1901-1989), filho do meu avô Francisco Lanta. Desse casal “Dão e Biluca”, nasceram meus primos, Getúlio Campelo Salviano, Murilo Campelo Salviano, João Batista Campelo Salviano, Elisabeth Campelo Salviano e Maria Elça Salviano de Oliveira, com muitos descendentes.

Outro filho deles foi Augusto de Araújo Japiassu (1874-1949) que, casado com Rita Rafael Japiassu - “Dona Mocinha” (1885-1941) - teve, entre vários filhos, Maria do Carmo Japiassu – “Carminha” (1909-1992) que se casou com meu outro tio, José Campelo Salviano (1903-1995), que foi prefeito da Pedra (1951-1954). Com apenas uma filha, a minha prima Safira Campelo Brito, tem-se hoje uma profícua descendência (http://www.myheritage.com.br/site-27419231/website-da-familia-britto ).

Ainda do primeiro casamento do Cel. Mariano foi Antonio Japiassu. Ele nasceu em Parnamirim em 1882, e depois foi para Monteiro (PB); passou um tempo em Recife, onde casou, indo depois para Branquinha (AL), retornando à Recife, onde foi comerciante e, em 1906, veio para Pedra onde viveu até 1924, quando se mudou para Rio Branco (Arcoverde). Aqui foi o primeiro prefeito eleito, tomando posse em 15 de novembro de 1928. Ele havia sido um dos líderes do movimento de elevação da vila de Rio Branco à categoria de município do mesmo nome. Caiu com a Revolução de 1930, indo morar, então, em sua Fazenda Tatu por 13 ou 15 anos. Depois vende sua fazenda e vai residir em São Paulo. Após alguns anos vem para Garanhuns, onde fica um ou dois anos. Adoecendo, vai para Recife. Faleceu em 29 de outubro de 1957, após uma cirurgia de vesícula.

Hoje ele é nome da avenida paralela à Rua Velha e também nome do meu antigo Grupo Escolar Cardeal Arcoverde. Estas duas vias, Leonardo Couto e Cel. Antônio Japiassu, são, assim, o berço de Arcoverde.

E, para nossa próxima confraternização, possivelmente em Fortaleza, onde mora o Estanislau, novos questionamentos sobre a nossa cidade natal poderão ser tema de nova e interessante discussão, quem sabe, mais uma rua da nossa história. 

JORNAL DE ARCOVERDE: MÉDICOS DE BEM ANTIGAMENTE


JORNAL DE ARCOVERDE
MAIO/JUNHO 2011
EDIÇÃO 261 / CADERNO 1 / PÁG. 3
*PEDRO SALVIANO FILHO

Neste final de ano a minha turma da Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco faz a festa dos 40 anos de formatura. Puxa! Parece que foi ontem que eu frequentava o hospital e clínicas de Arcoverde, aproveitando todas as folgas e férias da Faculdade. Participava das várias equipes de médicos, ajudando em muitas cirurgias e nos ambulatórios.

Lembrando dos médicos daquele tempo e identificando a procedência de cada um constatei que alguns haviam nascido em Arcoverde e ali decidiram exercer as suas atividades. A partir dessas lembranças não pude ficar sem questionar:

Quem foram os primeiros médicos da nossa região? E mais: qual foi o primeiro médico filho da terra que depois viria ser Arcoverde?

Sem conter o meu gosto em pesquisar os fatos que ocorreram em nossa terra e tornar muitos deles registros claros para nossos leitores fui à busca de respostas.

No “Livro da Criação da Vila de Cimbres (1762-1867)” [Recife, 1985 – pág. 242] encontra-se o documento que transcrevo e que nos traz algumas respostas interessantes:

“Registro da carta de médico do doutor José Martins Teixeira.

Império do Brasil. Escola de Medicina da Bahia. Diploma de Doutor em Medicina. A Faculdade de Medicina da Bahia, em atenções aos estudos regulares feitos pelo Senhor João Martins Teixeira, natural da cidade de Penedo, província das Alagoas, com trinta anos de idade, nos diversos ramos do curso médico desta escola e o conhecimento de que deu prova nos exames pelos quais passou, lhe conferiu, no dia vinte de novembro de mil e oitocentos e cinquenta e dois, no grau de Doutor em Medicina. E para que seja como tal reconhecido e possa exercer livremente no Império a sua profissão, e gozar dos direitos que lhe compete, lhe dão este diploma, assinado tão somente pelo Diretor e secretário e selado no selo grande da Faculdade. Feita na Bahia, aos quinze de abril de mil e oitocentos e cinquenta e sete. E eu, Prudêncio José de Souza Brito Cotergipe, secretário. Vila de Pesqueira, 11 de outubro de 1864. O secretário Severiano Rodrigues Pires Jatobá”.  

No citado livro, o pesquisador Gilvan de Almeida Maciel inseriu uma nota adicional que bem ilustra como a medicina era exercida até então: O major Panta (Pantaleão de Siqueira Cavalcanti Júnior) era filho do coronel Pantaleão de Siqueira Cavalcanti, chefe político de Pesqueira por muito tempo, e neto de Manuel José de Siqueira, o último capitão-mor de Ararobá e fundador de Pesqueira. O major Panta, mesmo sem ser formado, na realidade era o médico de Pesqueira, onde gozava de boa reputação. Residia na fazenda Tambores.

Mas quem foi a primeira pessoa nascida, no que corresponde hoje a Arcoverde, a se formar em medicina?

Creio que deve ter sido o Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Ele nasceu na fazenda Fundão em 6 de julho de 1855 e faleceu em 17 de maio de 1950, no Recife. Porém, ele quase não exercia a profissão de médico, como conta Luiz Wilson no seu livro “Minha Cidade, Minha Saudade”- Recife, 1972:

 “Tenho a impressão de que o Dr. Leonardo Arcoverde jamais fez clínica em Rio Branco. Na minha época, atendia apenas a um amigo, a um parente, ou a uma pessoa pobre e, estava, vez por outra, em Campina Grande, na Paraíba, onde era dono, ou um dos sócios, do ´motor´ que fornecia luz à cidade.” Registre-se que o Dr. Leonardo era casado com Carolina de Caldas Lins (Dona “Caró”). Ele foi deputado por Pernambuco, no tempo do império, e prefeito de Ipojuca no começo do século passado.  

Adquiri num sebo eletrônico um livro considerado raro (pelo menos por quem o vendeu): “Pequena Medicina ou Noções rudimentares de medicina prática ao alcance de todos”, de 1931, de autoria do Dr. Leonardo. No referido livro ele é apresentado como “Doutor em medicina pela faculdade de Paris e laureado pela mesma faculdade”. 

Creio também tratar-se de um dos primeiros livros de autores da terra, (junto a livros do seu irmão, Joaquim Arcoverde como "A Mulher Cristã, "Síntese de Filosofia", "Federação Católica" etc.). Aproveito para apresentar aos leitores as fotos que estão em duas páginas onde são mostrados os pais e irmãos. Do texto apenas transcrevo um parágrafo da introdução:

 “A ‘Pequena Medicina’ é um livrinho modesto, uma cartilha que podem ter sempre à mão os chefes de família, os amadores de medicina, os farmacêuticos, os vigários e os doutores baratos, quando falta o médico verdadeiro, ou quando a moléstia, já conhecida e de natureza benigna, não exige grandes conhecimentos clínicos”.


Antônio de Albuquerque Cavalcanti (Capitão Budá) e sua esposa Marcolina Dorothéa Pacheco do Couto.

“Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti, o capitão Budá (1822-1870), nascido na Fazenda Fundão, da qual, com a morte do pai, em 1843, tornar-se-ia proprietário...por muita gente era considerado um matutão de poucas falas, rude, malvado, incivil, inculto, no entanto o que quase ninguém enxergava nele era a extraordinária percepção que tinha das coisas do mundo e do futuro de seus filhos, tipo dotado de muito tino administrativo, criatura admiravelmente previdente.  Excelente chefe de família, desde cedo cuidara da instrução dos filhos, nove ao todo...  Meigo, compreensivo, bondoso, o extraordinário capitão Budá contentava a todos os filhos, sem exceção, permitindo que cada um deles traçasse o seu próprio destino na vida e, para os melhores educandários da Europa, enviava-os. Por um capricho da sorte, não chegaria a ver a formatura de qualquer filho...”. (Nelson Barbalho, em “Caboclos de Urubá” – Recife, 1977).

“Algum tempo antes de sua morte, a esposa retirou-se, um dia, do seu quarto, com os olhos cheios de lágrimas (o capitão tem-se a impressão que morreu de um tumor malígno do estômago, em consequência de desgosto pelo assassinato de seu velho pai). Budá chamou-a e disse-lhe o seguinte: — `Conte­nha-se que isso é natural. Eu morro hoje, você morre amanhã, nossos filhos morrerão depois"... E o velho e grande capitão tinha razão. Não há nada mais natural do que a morte. Todos nós, um dia, iremos embora deste mundo e, quando chegar a hora da grande viagem, pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, ami­gos, ninguém poderá fazer coisa alguma. O que Budá pediu a esposa antes de morrer foi que cuidasse da educação dos filhos até o fim”. (Luís Wilson, em “Roteiro de velhos e grandes sertanejos – 6”- Recife, 1978). E nesse mesmo tópico do livro está a citação do seu filho, Dr. Leonardo: “É... Contam muitas estórias do meu pai, mas ele era um homem de bem, um homem bom e um homem extraordinário.”


1- Cardeal Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti; 2 - Cônego Antônio Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti; 3 - Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti


4 - Dr. Francisco de Albuquerque Cavalcanti; 5 - Dr. Antônio de Albuquerque Cavalcanti e 6 - Jerônimo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti


Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti e sua esposa Carolina de Caldas Lins

“Na Fazenda Fundão nasceram todos os filhos de Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti e de sua esposa D. Marcolina Dorothéia Pacheco do Couto: o 1º. D. Joaquim Arcoverde, em 1850. 2º. Cônego Antônio Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1851. 3º. Capitão Jerônimo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1852. 4º. Tereza Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1853. 5º. Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1855. 6º. Dr. Francisco de Albuquerque Cavalcanti, 1956. 7º. Ana Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. 8º. Maria Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1864. 9º. Dr. Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti, 1869.” Luís Wilson. “Município de Arcoverde (Rio Branco)” – Recife, 1982.

E aproveito para acrescentar que o segundo médico nascido na terrinha foi o irmão do Dr. Leonardo: Dr. Francisco de Albuquerque Cavalcanti (nasceu na Fundão, em  4 de maio de 1856; faleceu em 2 de maio de 1937); foi doutor em medicina pela Universidade de Montpellier, na França. Casou-se e viveu em São Paulo. O Dr. Leonardo foi pai do médico Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti Filho. Como curiosidade, o Jerônimo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti foi o único filho do Cap. Budá que não estudou na Europa e ficou para ajudar o velho na Fazenda Fundão. Já o Dr. Antônio de Albuquerque Cavalcanti era bacharel em direito. Estas e outras várias informações sobre a família Arcoverde foram compiladas e estão no link https://tinyurl.com/ybqz37yu

Mas agora volto meu olhar para outro aspecto genealógico, como já fiz em outros escritos. Na inserção dos entrelaçamentos familiares no site www.lanta.myheritage.com que desenvolvo, encontrei casamentos entre os descendentes do meu bisavô Salviano Bezerra Leite Melo e os Arcoverde. Para entender melhor, damos um mergulho mais profundo no tempo: no alvorecer do século 19, vindo de Floresta do Navio-PE, Francisco Gomes de Sá se casa com Joana e, entre vários filhos, nasce Joaquina Francisca de Sá (que se casou com meu bisavô Salviano  Bezerra Leite de Melo) e, em 1830, nasce Antônio Gomes de Sá que, casado com Joaquina Francelina de Melo  tiveram, entre outros filhos, Luiz Marques de Mello (“Lulu” 1862-1946). A primeira filha do meu bisavô Salviano, Maria Vieira de Melo (“Sinhara” 1865-1946) casou-se com este seu primo em primeiro grau e três das suas filhas se casaram com três irmãos da família Arcoverde. Virgínia Marques de Melo (“Virge” 1883) com André Arcoverde Cavalcanti Neto, Adelina Marques de Melo (“Dilú” 1885-1969) com Joaquim Arcoverde Cavalcanti (“Sinhô” 1883-1950) e Josefa Marques da Conceição (“Juca” 1891) com Luiz Arcoverde Cavalcanti Filho (“Lulinha” 1882-1952). Eles eram filhos de Luiz Cavalcanti Arcoverde e Izabel de Oliveira Souza.  O pai do Luiz Arcoverde Cavalcanti foi André de Albuquerque Cavalcanti Arcoverde (nascido em 20-5-1824) que era irmão de Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti (o Cap. Budá), pai dos irmãos Leonardo e Francisco, os médicos nascidos na fazenda Fundão, como vimos acima. Como informação, o avô do André, do Cap. Budá e de muitos outros irmãos foi o Capitão André Cavalcanti de Albuquerque Arcoverde (1753-1829 – casou-se em Conceição da Pedra, hoje Pedra-PE), que por muito tempo assinou como André Arcoverde “e parece ter sido o primeiro da família, nos séculos 18 e 19, a adotar este nome [Arcoverde]” (Luís Wilson “Ararobá, Lendária e Eterna”, Pesqueira, 1980). Para fixar melhor: este André Arcoverde (que adotou o Arcoverde, nome do cacique pai da princesinha ameríndia Muirá-Ubi que foi uma das esposas do fidalgo Jerônimo de Albuquerque, da sua ascendência), era avô do André (pai do Luiz) que era avô do André casado com “Virge” (que teve 9 filhos...). Além dessas três filhas (casadas com os Arcoverde), o casal “Lulu e Sinhara” tiveram Joaquina Marques de Melo (“Pintinha” 1890-1974), Salviano Marques de Melo (“Vião” 1893-1968) e Maria Vieira Filha (“Nenê” 1901-1976).  Uma curiosidade contada por familiares é que “Sinhara” e Virgínia “tinham os olhos cor de pedra-lipes”.

E a moda dos sites genealógicos e seus aperfeiçoamentos têm me permitido gratas surpresas. Além de saber que este ramo da minha tia-avó “Sinhara” (que viveu até o fim da vida em Buíque-PE) é hoje uma bela família, esparramada principalmente no sudeste do país. Preso aos dados cartoriais da Pedra e Buíque eu só podia contemplar os ramos dali. A internet me pôs em contato com muitos parentes e o site http://www.myheritage.com.br/site-family-tree-78109233/marques-de-melo-silva  me deixou ver gerações mais recentes, a cara de tanta gente nova e bonita, que antes só podia imaginar.

Para mostrar outro entrelaçamento das famílias Salviano e Arcoverde e, mais uma vez, com filho do mesmo André, irmão do cap. Budá, começo com o ramo de Francisco Campelo de Albuquerque, um recifense que veio provavelmente no final do século 18, começo do 19, para Conceição da Pedra (hoje Pedra-PE) e casou-se com Maria Bezerra de Albuquerque, meus trisavós paternos. Dos filhos deste casal destaco Luiza Campelo de Albuquerque e Nuno Campelo de Albuquerque. Luiza se casou com José dos Santos Cavalcanti, meus bisavós, que entre outros filhos tiveram minha vó “Marica”, Maria Wanderley de Albuquerque (1867-1956), mãe do meu pai, Pedro Salviano de Albuquerque (1895-1963). Já Nuno Campelo de Albuquerque se casou com Leonarda de Araújo Cavalcanti e, em 1872 nasceu Tereza Campelo de Albuquerque que se casou com Francisco de Albuquerque Arcoverde (nascido em 1867). Este Francisco foi um dos vários filhos do André Cavalcanti de Albuquerque Arcoverde, do seu segundo matrimônio, com Cordulina Tenório de Albuquerque (o seu primeiro casamento foi com Maria Rosalina Cavalcanti, este, citado em algumas publicações).

Para complementar o tema, cito o Dr. Luís Coelho, que foi o primeiro médico a se estabelecer profissionalmente em nosso município.  Ele nasceu em 1895 em Bonito-PE e estudou na Faculdade da Bahia. Chegou a Rio Branco (Arcoverde) em 1920. Em 1930 tornou-se o segundo prefeito (nomeado) que tomou posse, permanecendo no cargo até 1935, quando deu um impulso transformador na nossa antiga vilazinha, de poucas ruas. Foi, depois, eleito deputado estadual. Foi o primeiro proprietário de Casa de Saúde. Faleceu em 26 de dezembro de 1985.  Eu o conheci e também fui amigo do seu filho Luís Coelho Filho, médico nascido e radicado em Arcoverde (como muitos outros) que faleceu este ano. Mais dados sobre o veterano Dr. Luís Coelho podem ser lidos em https://tinyurl.com/y9k648mr 

domingo, 10 de setembro de 2023

CONTINÊNCIA À VERSEJANDO! 40 ANOS DA POESIA DO MAJOR WILSON PORTO


Por: Carlos Alberto Cavalcanti
Texto escrito em 2021

Três depoimentos sobre o Major: “O ‘Major’ Wilson Pôrto, meu velho, é uma dessas figuras do povo em que, felizmente, as qualidades sobrepujam os defeitos [...] falar do poeta ‘Maior’ Wilson Pôrto, meu velho, é tocar-lhe a vida” (Ivan W. Porto, no prefácio de VERSEJANDO, 1981, p. 3). “Lembro do meu pai [...] tinha espírito de luta [...] possuía conhecimentos invulgares para quem não frequentara curso regular de educação. [...] Era um autodidata em tudo, o ofício de dentista aprendera por si mesmo, vendo o tio Edmundo trabalhando” (Giovanni Porto, em ESTAÇÃO DAS LEMBRANÇAS, 2000, p. 124). William Porto registra em A Casa do Major (BAÚ DE ARCOVERDE, 1986, p. 13) que seu pai “consertava e ajeitava tudo”, referindo-se a dentes ou dentaduras (chapas) dos que iam ao gabinete dentário em sua casa na Antônio Japiassu, 370. “Só tinha um defeito” – assegura - “não sabia cobrar”. Daí – diz William – o livro de fiado era da espessura de uma Bíblia.

A casa do Major, no endereço já citado, era uma espécie de sala de visitas da cidade. Todos tinham acesso, seja para dar um jeito nos cacos de dentes ou alinhar uma chapa para melhor morder o pão de cada dia, seja para uma conversa animada sobre fatos políticos da cidade e do mundo, pois o Major, com seu velho rádio, conseguia ouvir transmissões de emissoras estrangeiras e, não obstante a chiadeira da sintonia, sempre estava a par das notícias mais novas. Na verdade, duas chiadeiras se ouviam na Casa do Major: a do rádio e a da asma de William. Era uma internacional e outra municipal. 

Em Rio Branco e, depois, Arcoverde, a influência positiva do Major para a vida comunitária, com seu jeito tolerante e pacífico de exercer sua liderança, atraiu a ira de setores truculentos e despreparados que, no clima hostil e ditatorial vigente no País dos anos 60 do século XX, chegaram a invadir as dependências de sua casa, traumatizando as crianças com a desproporção da abordagem desrespeitosa, inclusive, para com a Sra. Almira, esposa do Major, a única voz adulta, naquele momento, a defender a família diante daquela situação de terror. 

Tal ocorrência, contudo, não arrefeceu a conduta de um homem de fibra, sertanejo calejado pelas lutas e tatuado pela marca da honradez. Como haveriam de calar a voz, justo de quem sabia lidar com a boca e tinha força, de fato, para arrancar os dentes se fosse preciso... É sobre esse Major, apaixonado pelos ideais que abraçou, capaz de materializar, através da poesia, o lirismo que pulsava em seu coração que registramos essas palavras para lembrar um detalhe talvez pouco divulgado de sua inteligência multifacetada: a veia poética.

Vale ressaltar que, com relação ao soneto: AUTOCRÍTICA (p. 55), onde o poeta se refere “aos pobres versos” e diz que não passa de um “rabiscador” e se diz “mau versejador [...] carente de engenho, inspiração”, há que se entender que talvez queira se referir ao fato de que seja praticamente um autodidata. Mas esse detalhe não embaça a arte introjetada em sua capacidade de leitura de mundo e fundamentada também em leituras de livros. Dois outros pedrenses, só para citar a prata de casa, os poetas Ulisses Diniz e José Firmo Cavalcante, também se encaixam nesse critério do autodidatismo, e igualmente são dois vates de reconhecido valor pelos poemas publicados e aclamados pela crítica acadêmica. 

Assim, o nosso querido e saudoso Major Wilson Pôrto se enquadra nesse crivo de poeta e foi oportuno e necessário que os filhos cuidassem da reunião desse material no livro que, aparentemente magrinho, é avantajado no valor dos 104 versos impressos, dos quais, 87 são sonetos que contêm valor estético e estilístico. Vamos, então, ver alguns títulos inseridos no livro VERSEJANDO que está a merecer uma edição mais arrojada (essa foi, digamos, doméstica).

MINHA TERRA (p. 5) recordação da terra natal: Pedra, cidade onde nasceu o Major Wilson Pôrto e uma terra de bons poetas aqui já referidos: Ulisses Diniz e José Firmo Cavalcante, logo no limiar do século XX. Sobre Arcoverde, habitação seguinte do poeta Wilson Porto, há três sonetos referenciais: ARCOVERDE (p. 6), NATAL EM ARCOVERDE (p. 26) e JAPIASSU (p. 40); a cidade de Pesqueira também é tema em dois sonetos: PESQUEIRA (p. 6) e ÊXTASE (p. 29); e o Brasil aparece em dois sonetos: BRASIL (p. 7) e ACORDA BRASIL (p. 22). 

A maioria dos poemas em decassílabos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, como rezava a prática do soneto tradicionalmente adotada pelos poetas nacionais.

A temática da seca aparece no soneto: 1932 (p. 8), A SECA (p. 8), O SERTÃO E O SERTANEJO (p. 9), FLAGELADOS I e II (p. 10), OS POBRES (p. 11), onde o poeta alcança um tom reflexivo-descritivo que nos reporta aos romances regionalistas que tratam desse tema. Sua habilidade de concisão constrói imagens fortes e tocantes num espaço curto do poema de 14 versos. Pelo menos em dois desses sonetos, o Major Wilson faz uso da aliteração, repetição consonântica na construção vocabular do poema, como ocorre com FLAGELADOS II (p. 11), ao repetir a consoante “F” e OS POBRES (p. 11), ao repetir a consoante “P”. O soneto INVERNO SERTANEJO (p. 12) vem aliviar a temática das misérias trazidas pela seca, pois aqui ele descreve a alegria e os benefícios da chuva para a terra sertaneja.

No tocante à História Geral, o Major Wilson dedicou alguns sonetos, a exemplo de: ECOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA (p. 12), NOVA CHINA (p. 13), PORTUGAL (p. 75), ANO INTERNACIONAL DA MULHER – 1975 (p. 24), texto em que o poeta reitera a iniciativa tomada pelas Nações Unidas de celebrar o Dia Internacional da Mulher. Antes, duas datas já haviam posto em pauta a discussão sobre a mulher na sociedade. Foi em 1911, nos EUA, quando de um grave incêndio em uma fábrica, cujo saldo trágico foi a morte de 125 mulheres; e em 1917, na Rússia, 15 mil mulheres marcharam pelas ruas para expressar o descontentamento com a situação humilhante da mulher na vida comunitária.

Com um perfil biográfico, há um soneto sobre o Papa João XXIII: ANGELO RONCALLI (p. 14), OS ROSEMBERGS (p. 15), JUSTIÇA IANQUE (p. 15). Nesses textos, o poeta levanta sua voz isenta, tanto quando tece elogio ao líder religioso, a quem considera uma “alma lúcida, serena e majestosa”, tanto quando discorda, nos outros dois sonetos, da visão reducionista do poder americano, seja no julgamento dos Rosembergs (eles foram executados sumariamente sob a acusação de vazar informações para a Rússia), seja na execução do Chessman (o Bandido da Luz Vermelha), condenado por uma série de crimes ainda não devidamente esclarecidos.

Os sonetos: UM GÊNIO (p.18), uma referência a Josef Stalin, liderança política da Rússia e TRAIÇÃO (p. 19), dedicado a Luiz Carlos Prestes, trazem a afirmação das preferências políticas do autor que continua a temática com: A POLÍTICA (p. 19) e CAMPANHA POLÍTICA (p. 20), incluindo, em seguida, o tema do desarmamento com os sonetos: OS HOMENS DO PENTÁGONO (p. 16), O PAÍS DA BOMBA (p. 18) e no poema: PERIGO ATÔMICO (p. 17). 

A veia poética do Major Wilson se eleva ainda mais em quatro sonetos antológicos. Em um deles, MAGDÁ (p. 28), o poeta Wilson Porto faz alusão a Magdá, do romance de Aluísio de Azevedo: O HOMEM. A obra foi objeto de crítica quando do seu lançamento, pois há uma abordagem naturalista sobre aspectos da personalidade da protagonista que, para a época, tais aspectos pareciam camuflar um tom de erotismo exacerbado para um romance. O Major consegue, com brevidade e talento literário, sintetizar o episódio em 14 versos. Os outros três destacam-se pelo tom satírico do texto.

Em dois deles [ELE DISSE (p. 24)] e [ELA MAGOADA REPLICOU (p. 25)] o poeta simula uma peleja entre um suposto casal, onde o eu lírico masculino destrata o elemento feminino a quem se refere e, em seguida, o eu lírico feminino responde cabalmente ao dito interlocutor machista. Um artifício que lembra aqueles desaforos do Boca do Inferno, o poeta Gregório de Matos, quando, com ironia e humor, deitava e rolava suas críticas no cenário barroco nacional.

Há ainda outro soneto: A VINGANÇA DO CURA (p. 25) em que o poeta explora sua veia humorística ao narrar um episódio envolvendo um pároco num breve incidente em viagem. Com muita habilidade verbal, o poeta faz que o padre, ao se refazer do susto do incidente, se dirija ao condutor do coletivo com o uso popular de FDP...

Como não poderia deixar de ser, o lado sentimental do poeta para com a família que formou, amou e defendeu até os últimos dias, há textos que merecem uma leitura também sentimental, posto que reminiscências pessoais são confidenciadas abertamente ao leitor: SONETO (ao pai e à mãe) (p. 39, 40); MEU PRIMEIRO VERSO (p. 5) e RESIGNAÇÃO (41) dedicados a Lena (esposa), CONSELHO AOS FILHOS (p. 38), Poema para Lena (filha) (p. 45).

Aí está, sobretudo para os leitores da atualidade, um registro da trajetória extraordinária de um conterrâneo pedrense, cujo legado de valor humanístico e literário vem enriquecer as páginas de qualquer registro histórico-biográfico que se queira construir para compor a lista de obras regionais de valor inestimável para a vida literária do Brasil.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

ARCOVERDE: A CALÇADA FICA DESCALÇA SEM SEU "NATAL"


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

OS SAPATEIROS

Os sapateiros da Av. Japiassu se arranjam nas calçadas em seus ateliês à espera de clientes. Uns chegam trazendo sapatos bem rodados na vida dura de quem anda sempre a pé; já carregaram exaustivamente seus donos rua afora, querem um novo solado. 

Os sapateiros têm seus truques para restaurar velhos sapatos que já deixaram muitos rastros pelas ruas da cidade e, agora, gastos, pedem clemência. 

Os sapatos são recebidos no ateliê escolhido e, após um rápido exame, logo é indicado ao cliente que tipo de tratamento os sapatos vão receber: a uns, uma nova sola seguida de uma sova de marteladas pontuais; a outros, uma sessão de acupuntura com pregos. 

Os sapateiros são saparteiros, fazem o parto de sapatos grávidos de tempo de uso; ou talvez sejam fisioterapeutas, recuperam sapatos lesionados pelos vícios de postura dos donos. 

Às vezes, ocorre uma troca involuntária na devolução e aí os sapatos vão parar em outros pés. Isso só não ocorre com os sapatos de políticos, pois todos calçam 40...

Há aqueles que são deixados de lado, excluídos da convivência com os pés que tanto ajudaram a andar; (quem sabe, os calos sejam uma vingança)! 

Os sapatos querem voltar, novos, à rotina de transportar o seu dono pelas trilhas das calçadas do centro ou dos bairros; os sapatos ficam felizes por saírem daquele cativeiro e agora, livres, vão andar na fila dos bancos, vão desfilar nas festas públicas ou em lugares menos públicos (da difícil vida fácil).

Não importa o trajeto, qualquer um é melhor do que ficar parado nas mãos do sapateiro. Sapatos gostam de andar. Inda mais quando o ateliê fica na calçada de uma Sapataria onde os sapatos novos, na vitrine, debocham dos seus sósias na calçada. Até entre os sapatos há classes sociais: uns são CHIC, outros nem tanto...

Este texto faz parte do livro/artigo RECORTES (EM PROSA E VERSO) DA HISTÓRIA DE ARCOVERDE, publicado em 2018 pelo professor, poeta e escritor Carlos Alberto de Assis Cavalcanti. 

*Postagem publicada no Blog Choque Cultural Buíque, no dia 06 de junho de 2020.

40 ANOS DE: MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) CRONOLOGIA E OUTRAS NOTAS, LIVRO DO ESCRITOR LUÍS WILSON

 


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

No espaço de tempo que se dá entre a primeira edição de Minha Cidade, Minha Saudade (1972) e a segunda edição (1983), o escritor-historiador Luís Wilson de Sá Ferraz publicou, em 1982, portanto, há 40 anos: MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) CRONOLOGIA E OUTRAS NOTAS, na mesma linha de pesquisa historiográfica e com a mesma competência de arrolamento de dados, documentação e acervo fotográfico. 

A obra reúne, como já anuncia o título, a soma documental e sentimental com que o autor se debruça numa pesquisa que o coloca diante de uma tarefa intelectual de pesquisador e concomitantemente de alguém cujas raízes já se adentrara não só na História de Arcoverde, mas igualmente na vida de Arcoverde, haja vista ter também a sua vida plantada na Terra do cardeal, quando aqui chegou nos idos de 1920.

O prefácio vem assinado pelo professor Joel de Holanda e, nas orelhas da obra, o professor Inocêncio Lima tece um comentário que, sem dúvida, pode ser chamado de um segundo prefácio, posto que se alarga em conteúdo e reconhecimento sobre a escrita de Luís Wilson tanto quanto se faz no espaço indicado para o prefácio. Ao fazê-lo no recorte mais restrito das chamadas orelhas, o professor Inocêncio, de posse de sua qualidade reflexiva e habilidade de expressão, com certeza duplicou o prefácio ou alongou as orelhas, o que, nas duas situações, contribuiu para o registro opinativo de valor sobre o trabalho do historiador arcoverdense, o filho de Noé do Bar, doutor Luís Wilson. 

A obra sobre a qual destacamos os 40 anos de publicação é como se, desentranhada de Minha Cidade, Minha Saudade, o autor reunisse de maneira epistolar, afetuosa e historiográfica, suas impressões fundamentadas na farta documentação a que teve acesso bem como ao acervo iconográfico que se acrescenta e atualiza ainda mais o relato que se torna mais detalhado e mais arcoverdense.

Do acervo de obras elaboradas por Luís Wilson com esse sentido de registro histórico, com certeza esse exemplar tem mais de sua alma arcoverdense além do trabalho de exímio catador de informes e revelações orais e escritas que se transformam em dados de alto teor documental como se vê nessa obra. Pernambuco se orgulha de um Gilberto Freire, de um Josué de Castro, na Sociologia; contudo, há que incluir no rol desse elenco brilhante de homens dotados de uma genialidade para coletar e sistematizar dados históricos intermeados por um sentimento telúrico, o nome desse sertanejo que leu o Estado, mais detidamente o sertão, e com mais prazer e amor, Arcoverde, que é o Dr. Luís Wilson. 

Basta que se consulte prefácios, comentários de fortuna crítica sobre suas obras para se convencer da notabilidade do autor, se bem que, em pessoa, sua simplicidade o fizesse avesso às maquiagens da vaidade. Vejamos breves citações colhidas da apreciação dos amigos e intelectuais que opinaram sobre a escrita de Luís Wilson.

A começar pelo prefácio de Joel de Holanda Cordeiro: “[...] Cada página do livro tem para mim o sabor de reencontro [...] a cidade se deu toda à criança e ao adolescente que povoou suas ruas com sonhos e fantasias emocionados” (CORDEIRO, p. 23) (1). Em seguida, o professor Joel de Holanda elenca nomes de localidades a que ele chama de “territórios conhecidos”: Aldeia Velha, Riacho do Mel, Serra das Varas, Caraíbas, Ipojuca entre outras localidades familiares da área geográfica do município. Mais adiante, Joel afirma que: 

“Rebuscando o passado, analisando eventos e datas [...] Luís Wilson surge aos olhos dos estudiosos como o portador da mais vasta e significativa contribuição ao conhecimento documental do agreste e do sertão de Pernambuco” (CORDEIRO, 1982 apud WILSON, 1982, p. 24) (2).

Ao dizer, por fim, que “O livro é um achado”, Joel reafirma a admiração que tem pelo autor que, movido por uma capacidade de investigação aguçada, faz que voltem a vibrar os acontecimentos já vividos como se, por um processo de abdução memorialista, todos de agora mergulhassem nas águas caudalosas das saudades.

Ao referir-se ao conjunto das publicações de Luís Wilson, o professor Inocêncio Lima abre o seu texto nas orelhas afirmando que a obra que ora completa 40 anos de sua publicação representa: “a continuidade de um persistente esforço de reconstruir a memória de sua/nossa sorridente e alegre cidade” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (3).

Reconhece Inocêncio que “em toda sua obra e sob todas as formas a revelação cônscia de sua grande obstinação: deixar para Arcoverde o valioso patrimônio de sua fonte histórica mais completa, mais objetiva e mais válida” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (4). Com isso, o professor Inocêncio assegura que “haverão todos e a seu tempo de reconhecê-lo como o HISTORIADOR DE ARCOVERDE” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (5). Inocêncio afirma ser esse título emérito perfeitamente correspondente às qualificações do autor que, de forma “beneditina” – afirma professor Inocêncio – ainda assim não define por completo a grandeza do homem Luís Wilson e da obra por ele escrita.

Na parte final da orelha, o professor Inocêncio elenca do sumário aspectos pontuais que demonstram a dinâmica estrutural do desenvolvimento de Rio Branco-Arcoverde, e cita dados concretos: Entre a primeira metade do século XIX e início do século XX, a “vocação comercial” consolidada com a “primeira feira de gado”; outro dado a destacar é que também na primeira metade do século XIX, a primeira escola e nos anos 20, do século XX, “possuía sua Liga Contra o Analfabetismo” (LIMA, 1982 apud WILSON, 1982) (6)

E assim vai o professor pinçando pontos na linha de tempo da história municipal, reiterando a certeza de que as gerações atuais muito devem ao altruísmo, trabalho e abnegação de tantos que deveriam estar na ordem do dia das aulas de hoje, tendo em vista estimular aspirações efetivas de cidadania no alunado tão refém de tecnologia e tão ausente de um espírito de admiração pelos que se deram intensamente no labor e na construção do que, para eles, era o futuro e que, agora, é o nosso presente.

Por fim, das orelhas da primeira edição de MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, lemos: “Sim, este livro é para ser lido com o coração” (LINS, 1973 apud WILSON, 1983) (7). Trata-se de uma frase do jornalista Alberto Frederico Lins que consta numa matéria intitulada: Um Romance de Saudade (Jornal do Commercio, 11-04-1973) sobre o livro acima citado (de Luís Wilson).  Na mesma orelha, lê-se: “recordando o Arcoverde das jovens e inquietas esperanças, revivi uma das melhores épocas da minha existência [...] na retroterra [...] do Sertão dos heroísmos desconhecidos, telúrico e desafiador” (PARAHYM, 1973 apud WILSON, 1973) (8), a propósito de uma matéria do Dr. Orlando Parahym publicada no Diário de Pernambuco em 24-04-1973, com o título: História de Arcoverde. Do professor João Vasconcelos: “História, biografia, romance, o livro de Luís Wilson ilustra pelo que oferece de conhecimentos sobre fatos e coisas, e recreia pela maneira leve e gostosa em que está escrito” (VASCONCELOS SOBRINHO, 1973 apud WILSON, 1983) (9).

Confirma-se, portanto, a riqueza textual e a organização laboriosa dos dados coletados pelo historiador Luís Wilson em cada depoimento como se fosse produto de uma combinação prévia entre os comentaristas quando, na verdade, é a indissolúvel uniformidade das impressões causadas pela qualidade da produção publicada seja em MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, no que aqui acabamos de registrar nossa solidariedade ao aniversário dos 40 anos de publicação ou nas demais obras do autor. Tomara que, em breve, essas edições sejam republicadas pela CEPE para que, em tempo, os jovens da atualidade se debrucem em sua leitura agradável e informativa.

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1. CORDEIRO, Joel de Holanda. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

2. Idem. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

3. LIMA, Antônio Inocêncio. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

4. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

5. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

6. Idem. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

7. LINS, Alberto Frederico. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

8. PARAHYM, Orlando. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

9. VASCONCELOS SOBRINHO, João. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.


REFERÊNCIAS:

CORDEIRO, Joel de Holanda. Prefácio. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

LIMA, Antônio Inocêncio. Orelha. In: WILSON, Luís. MUNICÍPIO DE ARCOVERDE (RIO BRANCO) (Cronologia e outras notas). Recife: Secretaria de Educação, 1982.

LINS, Alberto Frederico. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

PARAHYM, Orlando. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

VASCONCELOS SOBRINHO, João. Orelha. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.


50 ANOS DE: MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, LIVRO DO ESCRITOR LUÍS WILSON


Por: Carlos Alberto Cavalcanti

MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE – LUÍS WILSON. Meio século se registra sobre a publicação da primeira edição de um livro extraordinário, encantatório e repleto de dados históricos, sentimentais sobre a formação de ARCOVERDE e cercanias e a consolidação político-social que, palmo a palmo, o trabalho de tantas famílias promoveu ao longo dos anos. Era prefeito, naquela ocasião (1972), o professor Giovani Porto, detentor de uma vasta cultura e, coincidentemente, também detentor de conhecimentos históricos que o tornavam um admirável professor e orador.

Segundo (SALVIANO FILHO, 2020)1, LUÍS WILSON DE SÁ FERRAZ, nascido em 1917, na Vila Bela que hoje é Serra Talhada, veio, em 1920, com os pais, para Rio Branco, integrando-se, desse modo, à comunidade que daí em diante passou a ser o seu berço, a sua terra. O pai, Seu Noé do Bar, passou a ser uma figura das mais queridas na configuração social da cidade em desenvolvimento, seja pelo seu tino empreendedor e mais ainda pelo seu jeito folclórico, engraçado, filosófico de encarar a vida. Suas “tiradas” são frases ou provérbios que logo ganharam as paredes do seu próprio bar, cenário de sua vida cotidiana, e a boca do povo que as reproduzem ainda hoje.

A vida escolar de Luis Wilson tem passagem por Pesqueira, Garanhuns até chegar ao Recife, onde, em 1940, tornou-se médico. Daí em diante, clinicou, fez amizades, criou, junto a amigos, o Centro de Estudos de História Municipal da Fundação de Desenvolvimento dos Municípios do Interior de Pernambuco, integrou a SOBRAMES- Recife e outras entidades literárias e, naturalmente, escreveu muito, deu uma contribuição extraordinária para a divulgação de fatos sobre a história de Pernambuco, sobretudo desses municípios sobre os quais escreveu com farta referência documental, o que torna os seus livros uma fonte de consulta permanente para leitores comuns e leitores acadêmicos que tenham em vista algum trabalho de pesquisa nessa linha historiográfica.

Das obras que Luís Wilson publicou, com certeza, sobretudo para Arcoverde, MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE, que ora completa meio século de sua primeira edição, se constitui num livro vivo, uma coletânea de fatos documentais, sobretudo de fatos sentimentais, haja vista que Arcoverde foi, para o autor, não só o objeto de pesquisa, mas também a sua cidade de infância, juventude e maturidade. Laços indeléveis de aspectos memorialistas se somam ao pulso firme do pesquisador-historiador e dão um sabor presencial às 511 páginas de registros minuciosos enriquecidos por farta ilustração fotográfica que foi, inclusive, segundo seu depoimento, o ponto de partida para a obra quando – diz Luís Wilson na introdução da edição de 1972 – que também consta na segunda edição publicada em 1983:

Há cerca de um ano, jantando com Luís Cristóvão dos Santos, caí na tolice de lhe mostrar 10 ou 15 álbuns de velhas fotografias de Rio Branco (Arcoverde), que eu possuo, grande parte das quais recebi de presente do Dr. Luís Coelho. Escrevera, então, embaixo de cada foto, o que me dava na cabeça. [...] Luís Cristóvão - diante dessas legendas em cerca de 200 a 300 fotografias – me convenceu a acabar com os meus álbuns e escrever mais sobre Rio Branco (WILSON, 1972, p. 33-4)2.

A propósito, foi Luís Cristóvão dos Santos (escritor pesqueirense e integrante da Academia Pernambucana de Letras) quem prefaciou a primeira edição de MINHA CIDADE, MINHA SAUDADE. Na verdade, mais que um prefácio, Cristóvão profere uma conferência histórica, com detalhes e beleza de cronista-sociólogo, sobre a História que une, no tempo e no espaço, Pesqueira e Arcoverde, em cujo relato já aparece o seu amigo de estudos e futuro escritor Luís Wilson.

Lê-se em dado trecho desse discurso historiográfico que escreve o jornalista pesqueirense no prefácio antológico sobre Luís Wilson ainda menino: “[...] foi ali no meio dos companheiros dos bancos escolares que eu o conheci [...] sujeitinho baixo [...] vivo como uma carrapeta [...] chegado do Antigo Rio Branco” (SANTOS, 1972 apud WILSON, 1972, p. 25)3.

Os meninos crescem. Cristóvão e Wilson seguem para Recife. Se reencontram, já adultos, cada um com suas tarefas profissionais definidas. Um abraça o Direito e o outro a Medicina. É quando se dá o encontro acima citado, e o filho de Noé acolhe a ideia do amigo de Pesqueira e passa a pescar tudo quanto é fotografia e recortes de revistas, jornais, além de ouvir seguidos relatos de pessoas da comunidade sobre a formação histórico-social desde o Olho d’Água dos Bredos a Rio Branco e depois Arcoverde. 

Em verdade – diz Cristóvão – o médico Luís Wilson aproveitou os seus conhecimentos de oftalmologista e pôs nos olhos lentes poderosas para com elas melhor devassar a distância dos primórdios da história de Arcoverde, alongados no tempo por mais de século (SANTOS, 1972 apud WILSON, 1972, p. 31)4.

Assim, ao longo de 21 capítulos a obra reúne o produto da dedicação de pesquisador e do afeto de Luís Wilson por Arcoverde. Cada capítulo apresenta, no índice, subtópicos que já antecipam sobre o que aguarda o leitor no decorrer da leitura.

Vale dizer que uma segunda edição da obra foi publicada em 1983, acrescida de algumas correções necessárias sobre nomes e datas e também de mais textos e fotos. Vem prefaciada pelo então prefeito Ruy de Barros Correia Filho, também médico, homem de muita cultura, cujas palavras reiteram a favor do autor da obra a mesma compreensão que outros nomes da área literária já haviam dito, e o Dr. Ruy, com humildade, reconhece. Contudo, vale registrar um trecho do prefácio do Dr. Ruy de Barros ao afirmar, tocado pela sensibilidade que lhe era peculiar em relação ao amor pela cidade de Arcoverde:

Nós, os arcoverdenses, só podemos dizer que sentimos um orgulho imenso da amizade de Luís Wilson [...] que se reveste de nuances tão características e tão próprias que ainda precisa ter uma resposta especialíssima do povo de Arcoverde. [...] Tenho certeza absoluta de que não há nenhum exagero de minha parte em dizer: o Dr. Luís Wilson de Sá Ferraz conseguiu dar uma nova identidade a Arcoverde. [...] Hoje, é tão importante saber quem é Arcoverde como orgulhar-se de quem foi Arcoverde (CORREIA FILHO, 1983 apud WILSON, 1983, p. 28)5.

Ao fim dessas considerações a título de homenagem a uma obra que está a merecer uma terceira edição, pois as duas aqui citadas são hoje em dia muito raras, disponíveis para venda em sebos através da busca na Internet, e algumas catalogadas nas bibliotecas públicas da cidade, são guardadas com muito cuidado, a fim de preservar a condição física da obra, sendo permitida a consulta apenas no recinto da biblioteca.

Portanto, uma terceira edição, num acordo entre a Prefeitura e o Governo do Estado, que detém a direção da CEPE (Companhia Editora de Pernambuco) em muito resgataria essa memória viva para as gerações atuais bem como, de fato, cumpriria o reconhecimento a quem, com desprendimento, competência, carinho e muita arte, se deu inteiramente ao labor de fazer o registro, no cartório da História, sobre a cidade de Arcoverde, para onde veio na infância e aqui fincou suas raízes e se projetou para o mundo, posto que ao produzir uma vasta obra de caráter eminentemente historiográfica e memorialista, haverá de sempre ter o olhar de novos leitores debruçados sobre as minúcias da construção social, cultural que resultou na Arcoverde por ele sempre amada.

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1 SALVIANO FILHO, Pedro. O Historiador Luís Wilson. Jornal de Arcoverde (mai/jun 2014). Disponível em https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/o-historiador-luis-wilson.html Acesso em 14 nov. 2022.

2 WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

3 SANTOS, Luís Cristóvão dos. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

4 Idem. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

5 CORREIA FILHO. Ruy de Barros. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

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REFERÊNCIAS:

CORREIA FILHO. Ruy de Barros. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

SALVIANO FILHO, Pedro. O Historiador Luís Wilson. Jornal de Arcoverde (mai/jun 2014). In: Disponível em https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/o- historiador-luis-wilson.html Acesso em 14 nov. 2022.

SANTOS, Luís Cristóvão dos. Prefácio. In: WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1972.

____. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: Centro de Estudos de História Municipal – FIAM, 1983.

terça-feira, 5 de julho de 2022

35 anos do Livro BAÚ DE ARCOVERDE de WILLIAM PÔRTO


Por: Carlos Alberto Cavalcanti*
Texto escrito em 2021

Arcoverde é uma cidade bem dotada de memorialistas. Há uma boa bibliografia na qual seus autores enfocam – em prosa ou verso – suas reminiscências sobre pessoas e fatos que representam um mergulho no rio caudaloso da saudade de Olho D’Água dos Bredos, Rio Branco e, agora, Arcoverde.

Estação das Lembranças de GIOVANNI PORTO (21 anos de um LIVRO DE MEMÓRIAS)


Por: Carlos Alberto Cavalcanti*
Texto escrito em 2021

A obra veio a público em 2000. Autor: Giovanni Porto. Mais de 30 textos memoriais construídos com a qualidade estética e metódica de quem conhece a História e dela foi um protagonista de peso, seja no exercício do seu ensino nas escolas da cidade, seja quando fez História no exercício do mandato de prefeito arcoverdense, tendo deixado, nas duas atividades, um legado de inestimável valor para o município.

Recortes (em PROSA e VERSO) da HISTÓRIA DE ARCOVERDE

Carlos Alberto Cavalcanti, por Leonardo Silva

Por: Carlos Alberto Cavalcanti

ANO 2018

A memória é um dos alicerces que dá sentido à vida. Com uma cidade não é diferente. Preservar a memória da sociedade e sua vivência no núcleo urbano é manter a cidade viva e uma forma de fortalecer sua identidade. Na Geografia Crítica Milton Santos já advertia para a importância do Lugar como ponto de partida para se conhecer e entender a sociedade. Lugar: é uma categoria muito utilizada por aqueles pensadores que preferem construir uma concepção compreensiva da Geografia. Grosso modo, o lugar pode ser definido como o espaço percebido, ou seja, uma determinada área ou ponto do espaço da forma como são entendidos pela razão humana. Seu conceito também se liga ao espaço afetivo, aquele local em que uma determinada pessoa possui certa familiaridade ou intimidade, como uma rua, uma praça ou a própria casa. É o lugar que identifica nossas raízes, por isso essa identidade é quem nos faz sentir a saudade quando dela nos afastamos.